À conversa com Glória Arieira - Gustavo Cunha

Gloria Arieira é a Directora Presidente do Vidya Mandir, centro de estudos de Vedanta e Sânscrito do Rio de Janeiro. Em Janeiro de 1974 foi para a Índia estudar com Swami Dayananda, que se tornou seu Mestre. Com ele estudou até Julho de 1978, retornando então ao Brasil. Desde o seu regresso, vem ensinando Vedanta e Sânscrito no Rio de Janeiro e noutras cidades do Brasil, bem como em Buenos Aires, Argentina. Dedica-se ainda ao trabalho de tradução para o Português dos textos em Sânscrito, como a Bhagavadgita, Upanishads e vários outros. É responsável pela publicação em português dos livros de Swami Dayananda, editados pela Vidyamandir Editorial, e de outros livros como: Orações Milenares, Puja - a realização de um ritual védico e Tattvabodha, o conhecimento da verdade. Glória Arieira é uma das discípulas mais antigas e proeminentes do Swami Dayananda, professora de professores como Pedro Kupfer e outros, e conhecida pela sua clareza e discernimento na passagem do conhecimento. Em Julho deste ano, a professora Glória Arieira concedeu-nos a seguinte entrevista:

Yoga Vaidika – Nos últimos anos, o Yoga tornou-se muito popular nos EUA, no Brasil e em Portugal também. Na sua opinião, o interesse por Vedanta acompanha a expansão do Hatha Yoga e do Ashtanga Vinyasa Yoga, entre outros, ou segue um percurso diferente?

Glória Arieira – Em termos da vida do Yoga, eu acredito que o Yoga tenha tido altos e baixos, momentos em que estava mais conhecido e momentos em que estava menos. Vedanta caminha junto com o Yoga, no sentido em que, o Yoga é um estilo de vida ligado ao Vedanta. Eu acredito que, hoje em dia, exista mais divulgação do que é Vedanta e que as pessoas tenham tido mais acesso a mais livros que existem. Na época em que eu fui para a Índia [nota: 1974], existia Yoga mas ninguém no Brasil sabia o que era Vedanta. Mesmo na Índia, antes do Swami Chinmayananda e do Swami Dayananda não exista um ensinamento claro, era mais fechado, para algumas pessoas, não era falado em Inglês, então o mundo todo não tinha acesso a esse conhecimento, só quem era hindu e falasse uma das línguas locais ou soubesse Sânscrito.

Eu vejo que, quando houve esse movimento todo do Vedanta ser falado em Inglês, aos poucos, foi crescendo esse interesse e agora torna-se mais disponível. Eu acho que é só uma questão de tempo, assim como foi um tempo para o Yoga se tornar mais conhecido eu acho que hoje é um tempo para o Vedanta se tornar mais conhecido. Eu não sei, não posso dizer que as pessoas estão procurando mais porque estão com mais problemas. Problema sempre houve. Não existe mais, mais stress, mais problema. Não vejo dessa maneira. Eu acho que Vedanta está mais conhecido e mais acessível por pessoas que falam com mais clareza e por isso as pessoas têm mais acesso.

YV – Para nosso conhecimento, é a primeira vez que alguém vem a Portugal com o intuito de ministrar um curso intensivo sobre Vedanta e, ao mesmo tempo, é a primeira visita da professora Glória ao nosso país. Como vê o estudo de Vedanta em Portugal ?

GA - Bem, antes de eu vir aqui, Swami Dayananda veio por dois dias [nota: série de palestras em Outubro de 2008], e, tem vários portugueses que foram para a Índia e que tiveram uma exposição àquele conhecimento, a essa tradição de ensinamento. Então, as pessoas que eu estou conhecendo nesse retiro, são pessoas que já têm uma visão, um conhecimento, uma maturidade para escutar também. Então eu vejo pessoas altamente qualificadas. Muitas vezes, em alguns lugares que eu vou, eu sinto que ao começar a falar as pessoas estão interessadas mas acaba sendo muito questionamento e as pessoas, no meio da palestra, acabam dormindo, não porque estejam verdadeiramente com sono mas porque, às vezes, cansa demais a mente tanta informação ou tanto questionamento e coisas que tocam também muito fundo em si mesmo. Mas eu vi, nesse grupo, aqui na Quinta [nota: Quinta das Águias em Paredes de Coura – local do retiro], estes dias, Sexta Sábado e Domingo, hoje, pessoas muito interessadas, prestando atenção verdadeiramente. Então eu acho que existe uma maturidade por parte das pessoas, sem dúvida.

YV – No Brasil existem grupos de estudos de Vedanta, como os de Gita Vichara, e a professora ministra cursos também por todo esse país. Como está o estudo de Vedanta no nosso país irmão ?

GA – Bem, eu dou aula em Português no Brasil há 30 anos, é muito tempo, mas eu acredito que de há 10 anos para cá eu sinto que existe mais gente interessada. Eu não tenho uma explicação exata para isso. Eu acho que é mais exposição mesmo, mais disponibilidade... tem vários textos traduzidos agora para o Português, tem vários livros do Swamiji e outros livros, a [Bhagavad] Gita traduzida para o Português e disponível para o estudo. Então, está se tornando mais conhecido e existindo mais interesse e as pessoas estão buscando escutar, não só quando eu vou até lá, mas elas estão criando grupos de estudo para dar continuidade. Isso é uma coisa interessante, você escutar com uma fita ou um CD porque a pessoa não está ali na frente. Você tem de ter muita vontade em escutar se é só por CD. E, realmente, existem muitos grupos. Tem grupos de estudo em Rondónia, lá perto do Amazonas. Eu tenho uma pessoa que estuda e vem muito do Amazonas, em Manaus. Tem várias pessoas envolvidas em várias cidades desde o nordeste até ao sul do país e também no centro, em Brasília e Goiânia. Tem muitos grupos de estudos e muitas pessoas interessadas e que, sinceramente, estão interessadas porque estão ali escutando essas fitas e CD's. Eu acho que existe um conhecimento mais acessível mesmo que não tenha várias pessoas dando aula mas tem os CD'S acessíveis. As pessoas estão escutando mais. Isso é uma coisa incrível, eu acho.

YV – Já podemos falar em milhares de pessoas a estudar Vedanta ?

GA – Sem dúvida! Eu tenho tido uma aula por semana, ao longo de muitos anos. Cada turma tem, sei lá, 10, 8, 20, 25 pessoas ao longo de 30 anos, entre pessoas que vêm, que ficaram, que foram e voltaram... é bastante gente.

YV – A professora disse ontem que “quem vem ao Vedanta uma vez pode até parar durante uns anos mas depois retorna”...

GA – Mas volta. Volta. É, tem muita gente por aí. Tem uma situação muito interessante, como existem esses CD's e eles vão para muitos lugares, eu vou em alguns lugares no Brasil que conhecem a minha voz. Eu não conheço a pessoa nem eles me conhecem, mas, eles conhecem muito bem a minha voz.

YV – Aqui também acontece isso [risos].

GA – Isso é interessante. Tem uma intimidade muito grande mas não tem o contacto pessoal.

YV - É verdade que vai ser editado este ano, ou no próximo, um Yoga Sutra comentado pela professora e mais material em livro ?

GA – Agora o que vai sair esse mês, em Agosto, vai ser a Gita traduzida. Só os seis primeiros capítulos, o resto está a sendo trabalhado ainda. Traduzido do Sânscrito para o Português com significado de cada palavra e um pequeno comentário de cada capítulo. E já tem toda a tradução feita do Yoga Sutra à luz do Vedanta. Eu estou escrevendo os comentários só. Eu acho que para o ano que vem deve ter. Acho que vai ser uma boa coisa também. O Yoga Sutra, principalmente, que já era conhecido no mundo de Yoga, é tão complexo e com traduções tão opostas muitas vezes que ter uma coisa coerente assim à luz do Vedanta, pelo menos, está sendo uma coisa que as coisas estão gostando.

YV - O Swamiji [Swami Dayananda] tem uma frase muito interessante “a Psicologia não tem solução e Vedanta não tem problema”. A professora gostaria de comentar essa frase de Swamiji ?

GA – A Psicologia lida com a nossa mente. A mente através das experiência do mundo tem experiências positivas e negativas, de alegrias e tristezas, tem alguns problemas, soluciona alguns, outros não consegue solucionar. E não existe uma proposta dentro da Psicologia, uma proposta para a mente, de curar completamente o sofrimento. Não tem uma solução. Por mais que uma pessoa faça muitos anos de terapia, no final ela recebe alta e alta quer dizer: “agora você está preparado para lidar com as adversidades da vida”. O ser humano é assim mesmo, vai ter alegrias e tristezas. Então não tem uma solução, ponto final. A solução é essa: “agora você está equipado para lidar com a sua vida”. Dentro da visão de Vedanta o problema é ilegítimo. Existe um sofrimento, não é que não exista um sofrimento, a gente reconhece o sofrimento, mas a gente considera que a causa do sofrimento é ilegítima, a causa é devida a uma confusão, a uma ignorância. Uma confusão acerca do próprio Eu, no entendimento de Si-mesma. Quando a pessoa entender o Eu, o Ser, a Si-mesma, como a paz, como completa, como livre de qualquer forma de limitação, as limitações da mente, as limitações do mundo e das experiências do mundo você reconhece como naturais. Fazem parte da dualidade do mundo mas Eu, fundamentalmente, não tenho problema nenhum. Eu não sou limitado, de facto. Então você consegue lidar com a objectividade do mundo sem criar um problema “para mim”. Existe sukha e dukha, existem situações que são agradáveis e desagradáveis mas não existe o dukhi, o sukhi – “eu não sou infeliz, eu não sou esse sofredor”. Então Vedanta diz que não existe o problema, o problema é ilegítimo. O problema nasce duma confusão somente. Essa frase [de Swamiji] é muito boa.

YV – O que é que a professora aconselharia a quem está no início dos seus estudos de Vedanta ?

GA – Esse estudo, é, basicamente, uma coisa que é importante escutar. É importante você ter um contacto com alguém – seja direto e sentar mesmo na frente e escutar – ou mesmo indireto que é através desse material, em CD. Swamiji tem material em Inglês, tem material meu no Brasil em Português. Então isso é importante. Mas também existem alguns livros que esclarecem muito. Eu diria que o livro “O Valor dos Valores” é um livro maravilhoso do Swamiji porque um dos grandes problemas de lidar com o mundo e lidar com essa percepção do que é que é adequado e do que é que não é adequado é nos levar a entender o questionamento sobre Dharma, sobre o que é correto, o que é que é adequado, o que é que são valores. A gente ao entender modifica muito. O entendimento dos valores é uma coisa importante. “O Valor dos Valores” é um texto muito bom. Tem um livro chamado “Liberdade” com vários artigos de Swamiji sobre a liberdade do sofrimento, a liberdade da morte, a liberdade na ação e assim outros, que é muito interessante. Tem vários livros dentro dessa linha que são bons para você estudar. Ter um contacto pessoal sempre que possível com um professor é o mais importante. À medida que você vai estudando, sem esforço nenhum, você vai fazendo certas mudanças que muitas vezes é a outra pessoa que está perto de você que repara. São mudanças que são tão básicas e profundas que, às vezes, a gente nem repara mas a outra pessoa sempre aponta.

Entrevista efectuada a 26 de Julho de 2009, por Gustavo Cunha na Quinta das Águias, em Paredes de Coura, Portugal. Fotografia de topo da autoria de Maria João Gabriel.

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