Como começar a meditar - Filipe Pinto

O interesse pela meditação pode surgir na vida de cada um pelos mais diversos motivos. Quer seja por motivos de saúde, para combater a ansiedade, ajudar a diminuir a tensão arterial, ou para, por exemplo, melhorar a postura da coluna, as posturas perante a vida, ou para os mais metafísicos (ou doidos) para tentar “entender a realidade”, uma coisa é certa. Há algo a que podemos chamar de meditação, e esse algo desperta ou despertou em mim interesse ou curiosidade. Então, se assim é, o que devo fazer? Como começar? Na verdade, e apesar das enormes diferenças aparentes que existem entre técnicas, abordagens e tradições, a meditação não tem muito que saber.

Neste texto, pretendo deixar instruções bem claras para que possas começar com uma prática simples de meditação e depois, a partir daí, seguires o teu próprio caminho.

A meditação é um hábito muito simples de cultivar. Existem dois factores essenciais para se conseguir tirar bom proveito da prática da meditação. O foco da concentração, e a abrangência da atenção. O primeiro factor a considerar é o foco da concentração. Porquê?

No dia-a-dia a mente está activa e a captar e a processar informação através dos órgãos dos sentidos. Ao treinarmos a concentração, a mente que andou ocupada a reunir e a processar informação durante todo o dia, começa gradualmente a ficar mais calma. Deste modo os pensamentos tornam-se gradualmente mais lentos e começa a descobrir-se uma sensação de pousio, tranquilidade, calma.

Imaginemos um lago agitado. Devido ao movimento entre a água e a terra no seu fundo, a água fica turva e enlameada. No entanto, à medida que esse movimento abranda, e a terra se vai decantando de novo no leito, a água torna-se de novo mais translúcida e conseguimos ver melhor. Do mesmo modo, se treinarmos a concentração da mente num ponto ou objecto - por exemplo no movimento da inspiração e da expiração - os restantes pensamentos começam gradualmente a acalmar, a abrandar e começamos a conseguir “ver melhor”. Este “ver melhor”, é o tal segundo factor, a abrangência da atenção.

Com o acalmar dos pensamentos, começa a existir mais espaço entre os pensamentos. Começamos a conseguir deixar de lado o dia-a-dia, as tarefas, as conversas, as notícias da televisão, as minhas acções e reacções e as dos outros, as minhas ambições, projectos, devaneios, sonhos, etc. Deste modo, começa a ser possível observar os próprios conteúdos mentais, pensamentos, sentimentos, emoções, pelo que eles são.

Repare que quando se fala em observar os pensamentos, não significa fazer uma “espécie de auto-psicanálise”, ou de “auto-terapia”, ou de tentar investigar seriamente os motivos por detrás dos pensamentos, emoções, memórias, acções, etc... Talvez uma das primeiras descobertas que a meditação nos pode trazer é que os pensamentos são só isso... pensamentos.

Quer eu tenha um pensamento muito mau (seja lá o que isso for) ou quer eu tenha um pensamento muito nobre, e elevado... isso não significa nada sobre mim. Se eu pensar que “ainda não fui ao supermercado buscar o frango para o jantar deste sábado”, isso quer dizer alguma coisa em particular sobre mim?! E se eu pensar que “estou farto de aturar a música da vizinha”, e que “ainda para mais aquela parva estaciona sempre o carro em cima do passeio e..."?! Será que isto quer dizer alguma coisa sobre mim? Pode querer dizer muita coisa sobre mim, sob o ponto de vista psicológico - até agora. Mas a meditação, ainda que ajude, não é psicoterapia ou psicologia. São coisas diferentes, cada uma no seu próprio lugar.

Na meditação procuramos ou antes, descobrimos, que não precisamos de acreditar nos pensamentos. Posso ter uma zanga com o motorista do autocarro, ou com um familiar, ou com um desconhecido que buzina no transito, por exemplo... E posso sentar-me na almofada algumas horas mais tarde, ainda cheio de raiva. Agora, que me sentei para meditar sinto que a raiva está presente em mim, e como não gosto de sentir raiva, penso que “devia ter dado dois sopapos no sacana do motorista de autocarro, porque... e...” No momento seguinte... apercebo-me que tanto o motorista como eu somos apenas humanos, e que provavelmente naquela altura eu e ele estávamos igualmente frustrados. Apercebo-me de seguida de que a tensão que esse homem carregava e a tensão que eu trazia comigo também, encontraram um escape naquele momento, mas que ambos procurávamos o mesmo. Talvez paz, tranquilidade e felicidade… no fundo, estar bem.

Logo de seguida, posso também aperceber-me que esta acção negativa deu origem a sentimentos negativos e que esses sentimentos se resolveram de forma positiva, numa espécie de "insight" ou abertura mental, mas que isso também não faz de mim um ser humano extraordinário. Estes pensamentos e sentimentos de compaixão surgiram dentro da minha mente, dentro da minha consciência como podem acontecer e acontecem dentro da mente de qualquer outro ser humano... é só isso...

E, então, a meditação começa a trazer-me essa percepção clara e tranquila de que os pensamentos e os sentimentos, e todas essas coisas são apenas isso... coisas. E as coisas, sejam elas quais forem, mudam e portanto não são assim tão importantes quanto eu próprio julgava até há bem pouco tempo atrás. E assim se inicia mais uma vez,o caminho da auto-descoberta.

Portanto, se este início faz sentido ti também, experimenta. Vê por ti prórpi@, considera-te desde já bem-vind@ ao teu próprio caminho de auto-descoberta. Se fizer sentido para ti, começa a cultivar esse hábito de forma mais ou menos regular, durante algum tempo. Investiga, vê e sente o efeito que surte em ti. É positivo, negativo, neutro?!

E, se por ventura, tendo experimentado meditar durante algum tempo, chegares a conclusão de que não gostas... pelo menos, por agora, não?! Fantástico, não é? Porque não um passeio tranquilo num parque ou jardim? Porque não uma conversa com uma pessoa positiva e de confiança?! Porque não sentar num banco e ver o efeito do vento na relva? Porque não respirar fundo, suspirar, descontrair?!

Ir com calma, com paciência e com confiança. O caminho (seja ele qual for o teu), faz-se caminhando... Todos os seres merecem ser felizes. Boa viagem, namastê!

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Leitura Recomendada: The Meditative Mind, de Daniel Goleman

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