Yoga Vasishtha: Nona Conversa

Disse o bem aventurado Vasishtha:

“Numa região do norte, entre os cumes dos Himalayas, há um cume chamado Kailasha. Ali é onde Shiva, a grande Divindade, passeia observando as cascatas que brotam das cavernas da montanha e voltam a ser engolidas por elas. Ali uma vez viveu uma raça de homens que tinham Surghu como chefe. Era poderoso, hospitaleiro e reflexivo. Os sábios acostumam-se a viajar, aliviando sofrimentos e reduzindo a ignorância, e assim aconteceu que, um dia, o sábio Mandavya visitou esse povo.

Surghu deu as boas-vindas ao sábio e disse: “Sinto-me tão sumamente satisfeito de receber esta visita como a terra quando chega a Primavera. O pensamento das recompensas e castigos que distribui entre os meus súbditos atormenta sem cessar o meu coração. Digna-te, pois, bem aventurado sábio, a aliviares-me desta dor e permite ao sol da paz e da serenidade iluminar a obscuridade da minha mente.”

Mandavya respondeu: “Oh príncipe, com o esforço e com a confiança nas próprias forças é como as dúvidas da mente se fundem, como a neve por debaixo dos raios de sol. O auto conhecimento, oh príncipe, é também essencial. Pergunta-te na tua mente: Quem sou eu? O que é esta nossa vida e o que é essa morte que nos espreita? Seguramente estas perguntas conduzir-te-ão ao discernimento.

Quando, reflectindo sobre a condição da tua mente, chegues a conhecer a tua verdadeira natureza, permanecerás imperturbável tanto perante a alegria como perante a pena, e serás firme como uma rocha. Aos desapaixonados honramos como aos mais afortunados dos homens, e quem conhece esta verdade conserva o contentamento interior e é um sábio.

As grandes almas evitam preocupar-se das coisas exteriores para poder contemplar a pura luz do Espírito supremo em seu próprio interior. Até que não te tenhas libertado das amarras pelas tuas bugigangas particulares não poderás ter nenhuma visão do Espírito universal. Apenas após o desaparecimento de todo o interesse pelo mundo o Espírito transcendente se dá a conhecer.

Desfaz-te de todo o sentimento para com as coisas particulares e terás o conhecimento do que é universal; começarás a compreender o Atman que engloba tudo. Apenas a condição de empenhares-te em conhecer o supremo Espírito com todo o coração e com toda a mente e de sacrificar nessa busca qualquer outro objecto ou intenção se converte na possibilidade de conheceres esse Espírito em Sua plenitude. Todos os objectos visíveis que parecem ligados pelo fio das causas e dos efeitos são criação da mente, que os mantêm unidos como o cordão segura as pérolas de um colar. Aquilo que permanece por detrás da dissolução da mente e dos seus corpos criados em somente Atman, que é o Deus supremo, Aquele que é mais exaltado que tudo.”

O chefe Surghu ofereceu presentes, frutos e flores ao sábio, que partiu para outras regiões para seguir a sua missão. Então Surghu, seguindo o ensinamento do sábio, meditou assiduamente durante três anos no silêncio da sua mente e apercebeu-se da sua divindade.

Disse: “O meu Atman está dotado de toda a beleza e é a luz que ilumina todo o objecto. Vejo! Vejo! O meu Atman carece de forma e, contudo, é capaz de tomar toda a forma e manifestação.

A causa da felicidade e miséria humanas consiste numa falsa representação da faculdade de entender. Este mundo é um cenário instalado pela mente, que age como protagonista enquanto Atman assiste silencioso como espectador da obra. Contemplo esta maravilhosa esfera do intelecto que agora brilha sobre mim com todo o seu esplendor, e eu te saúdo, oh luz santa, a quem vejo perante o meu resplandecer.”

O chefe Surghu reinou cem anos nesse estado de iluminação, após o qual, por impulso próprio, abandonou a habitação do seu frágil corpo. Essa mente inteligente, libertada da servidão da reencarnação, converteu-se uno com o Espírito imaculado e foi absorvida no supremo único, da mesma forma que o ar contido num recipiente se une com o firmamento que o engloba todo quando o recipiente se quebra.”

O bem aventurado Vasishtha continuou:

“Estes são alguns dos ensinamentos desse nobre príncipe, oh Rama-ji, que te ofereci para o bem da humanidade: “O que é samadhi? A insensibilidade da mente ao tumulto do orgulho e ao rancor é conhecida pelo sábio pelo termo samadhi; quando a mente é inquebrantável como una rocha, resistindo com firmeza ao vento rugiente das paixões, está em samadhi. Sou puro, iluminado e plenamente consciente em todos os momentos. A minha mente está tranquila e o meu coração descansa em qualquer circunstância. Nada poderia perturbar o doce repouso da minha mente, ancorada numa comunhão ininterrupta com o Santo Espírito, Brahman. Nada há no mundo que possamos considerar como anterior a nós, porque tudo o que brilha e reluz aqui na realidade não é nada e está desprovido de valor intrínseco.

Como aqui não há nada que possa desejar, tampouco há nada que me repila, porque a ausência de uma coisa também implica a ausência do seu contrário. O sábio silencioso que conhece tudo, que é santo, tranquilo e sereno dentro de si, jamais é molestado por uma mente rebelde. Com a segurança que proporciona o serviço ao magnânime Mestre, a mente dotada de sabedoria recebe o saber e medita para salvar-se do oceano deste mundo exactamente como um viajante obtém de um barqueiro o batel que lhe permitirá atravessar um rio. Este é o verdadeiro caminho que conduz a mente à pureza e que te tornará capaz de desenredares-te das armadilhas da tua mente, libertando o teu coração das redes do egoísmo.”

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