Jānu śīrṣāsana - Ricardo Alarcão

Surgiu a ideia de abordar esta postura, ou āsana na prática de Yoga, a partir de uma interpretação de um comentário de uma colega instrutora desta disciplina: o meu Yoga é mesmo diferente do teu! Então porquê? Diferente como, se categorizamos a prática com base no seu objetivo geral? Lembro que procuramos ficar livres dos três tipos de sofrimento. Dizer: mesmo diferente, deixa também antever mais do que uma aposição.

Será porque levo tudo para o lado racional, dizem. Mas então não é isso que se procura? O esclarecimento? Em rigor, pedia antes que me dissessem que me exprimo de modo relativista, procurando as causas de tudo. No entanto, na prática, reconheço o que move os realistas, ou seja, as limitações da expressão e o uso excessivo da mente, se com isso queremos dizer que preterimos o aflorar dos sentimentos, ou que negligenciamos os sentidos.

Melhor dizendo, penso como Kapila que é estulto acreditar que é omissa a causa inicial da ignorância, e que tem um final. Na doutrina que suporta o Yoga, nos aforismos 21 e seguintes do primeiro livro do Sāṃkhya, contrariando outras escolas Védicas, diz-se isto em defesa da verdade única como dogma e que a essência do ser humano é livre, inclusive do sofrimento. Se a representação e a descrição destes pensamentos parecem ocas, devemos tatear o assunto. Mas, para que serve descrever em vez de sentir ao fazer? Bem, é que tenho dificuldade em distinguir uma e outra coisa. E se, por outro lado, o que escrevo parece um discurso utilitário ou até de autoajuda, saibam que pretendo antes que seja pragmático. Ou seja, não é minha intenção descobrir o que será melhor para todos, antes começo e acabo com aquilo que está próximo de cada um. Também se diz que é escusado ficar perdido numa questão morfológica, são só palavras. Talvez, mas preferiria que fosse dito: de semântica, aquilo que pretendo significar. A proposta aqui é a de exercitar uma aplicação de termos linguísticos de forma a esclarecer intenções e, daí, a diluir diferenças, se aceitarmos que o que existe para além da verdade (única) são as (meras) opiniões. E passo à defesa, com o que pretendo seja uma estratégia de meditação típica, exercitando esta postura como tática.

Ekagrātā, ou uma atenção unívoca dirigida ao assunto eleito é indicada pelo antigo mestre de Yoga Patañjali como condicionante para início de uma qualquer prática de meditação (Yoga Sutra III.12). Esta é uma das minhas predileções, e começo por olhar para a superfície de tudo aquilo que seja o caso, ou seja, a comunicação. O peso de cada palavra que usamos, especialmente nesta prática que pretende desfazer os equívocos do convencional, pode ser vista como essencial.

Uma das articulações usada na locomoção, o joelho, jānu, é para onde se dirige o centro de decisões, a cabeça, śīr, nesta postura, āsana, do praticante.

A meu ver a postura é propícia à introspeção, mais do que as que exercitam força ou equilíbrio. A flexibilidade é o mote. Sentados e debruçados, com o olhar, o dṛṣti, dirigido aos pés, como que fechamos um circuito. Também nos guia para a inclusão e aceitação de todos os membros do corpo como igualmente dignos de atenção, apesar das diferenças na forma e direcionamento, com o tronco numa torção lateral e repousado sobre um dos membros inferiores que são colocados de forma assimétrica. Existem variações da colocação dos membros e do olhar para aprofundar esta introspeção, para quem adquire o gosto pela aventura, inclusive retorcendo os braços da forma mais improvável. Digo então que se prestarmos atenção a qualquer afirmação causal, onde tudo tem uma razão de ser, pressentimos que assenta numa suspensão do realismo. Dizer que olhar para os pés é introspetivo pode ser abuso de inferência. Por outro lado, uma perceção regressiva daqueles que aderem ao realismo, do sei porque sei sem outro probatório senão esta minha opinião, não ajuda à motivação e ao porquê de fazer esta postura – podia ser omissa porque a sentimento outras dão mais gozo.

Será possível um encontro entre estas formas de expressão? Os séculos passam e parece que subsiste a divergência. Opto então pela rendição aos pensamentos que se sucedem devido à postura. É a via disponível. Por isso existe esta escola, a do Yoga.

Podemos então concentrar a atenção na postura? Vamos investigar o que está em jogo. Passamos a contemplar o desenrolar dos sentidos e dos sentimentos até que o corpo e a mente ficam absortos, entretidos. É o conjunto dos estados por que passa o praticante, o samyama, para que então se submeta inteiramente à consciência, observadora informe e livre.

Tenho o hábito de propor aos alunos esta postura na reta final das sequências das sessões de Yoga. A rotina é guiada com indicações sobre como colocar a ossatura para permitir uma ampliação da articulação entre a coluna vertebral e a bacia, evitando pronunciar a cifose torácica e estendendo a lordose cervical. Nesta postura, e para saber qual o ponto de conforto para o físico, peço para aprofundar a flexão e torção com ajuda da respiração, esvaziando a parte baixa dos pulmões e remetendo para longe o calcanhar da perna estendida. A pausa para normalizar a respiração permite o acesso aos sentimentos que se vão aliar aos estímulos físicos e que tornam problemática a visão clara desse ponto de equilíbrio que procuramos. Repito, o conforto. Este ponto, que sabemos oscilar entre a segurança e a liberdade, é atualmente conotado com o máximo de segurança, ou seja, sentado no sofá!

É conhecido o esforço de quem observa a existência a partir do seu sofá, e cujo uso da lógica (Kantiana) vai distinguindo parcelas da realidade para depois as definir – fala-se de pensar no cadeirão, armchair philosophy. Bem, sentados já estamos, vamos agora ver o que resta quando movimentamos o corpo desta forma no tapete. Uma unidade aparentemente assimétrica mas escondendo a sua essência de parcelas simétricas. Uma verdade e diversas expressões.

A ideia é arrumar a casa o mais possível, mas a saber que a arrumação é coisa relativa.

Boa prática. Namaste.
Guru zen

Mensagens populares